Carlos Henrique Araújo, mestre em sociologia e curador da Acadêmia da Direita.
Mário Ferreira dos Santos (1907-1968), em seu célebre ensaio filosófico, descreve magistralmente o fenômeno da “invasão vertical dos bárbaros”, apontando não apenas uma ocupação territorial, mas, sobretudo, uma corrosão dos fundamentos culturais. Segundo o autor, “a invasão que é a penetração gradual e ampla dos bárbaros não só se processa horizontalmente pela penetração no território civilizado, mas também verticalmente, que é a que penetra pela cultura, solapando os seus fundamentos, e preparando o caminho à corrupção mais fácil do ciclo cultural, como aconteceu no fim do Império Romano, e como começa a acontecer agora entre nós” (Santos, 2012, p.14).
Essa análise permanece atual e incisiva ao observar as últimas décadas do cenário cultural brasileiro. Vivemos não apenas uma alienação daquilo que é superior, mas uma inversão de valores – o inferior alçado à condição de modelo cultural e o superior lançado ao desprezo -, um fenômeno que Santos adverte: “O que em nós não queremos é que esse primitivo predomine a ponto de que somente nos preocupemos com a repetição, com os ritmos, e nos afastemos de tudo quanto é superior. Não queremos negar a presença em nós do que é inferior, o que não queremos é que esse inferior passe, na escala de valores, para uma hierarquia superior, e o superior para um degrau inferior, como se tem feito” (Santos, 2012, p.162).
No Brasil, essa invasão vertical manifesta-se de maneira profunda nas estruturas educacionais. A decadência dos sistemas de ensino – desde o abandono dos clássicos até a marginalização da disciplina, do conteúdo e do rigor académico – permitiu que a juventude fosse formada não pela busca do belo, do verdadeiro e do transcendente, mas pela repetição de ritmos banais, pela imitação de comportamentos degradantes e pela assimilação de valores desumanizadores.
Multiplicam-se agentes de cultura que, por ganância ou ignorância, destroem os últimos resquícios dos valores cristãos, confundindo liberdade criativa com licenciosidade e abandono moral. Não apenas as periferias sofreram este fenômeno; as elites nacionais também abdicaram de seu papel civilizatório, entregando-se ao culto do que é vulgar, desprezível e efêmero.
Esse ciclo, como bem analisa Santos, conduziu ao predomínio do inferior sobre o superior, criando as condições para a proliferação do sexo desregrado, das drogas, da criminalidade glorificada e da apologia do mal.
Para ilustrar o diagnóstico, cabe analisar a evolução musical nas periferias brasileiras, especialmente no Rio de Janeiro. O chorinho e o samba do início do século XX até meados do mesmo, representados por obras como “Carinhoso” de Pixinguinha (1897-1973) ou as letras líricas, profundas e poéticas de Cartola (1908-1980), eram manifestações de beleza, sensibilidade e elevação moral.
“Carinhoso”, de Pixinguinha
“Meu coração, não sei por quê
Bate feliz quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim foges de mim
Ah, se tu soubesses
Como sou tão carinhoso
E o muito, muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim
Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor dos lábios meus
À procura dos teus
Vem matar esta paixão
Que me devora o coração
E só assim então serei feliz
Bem feliz
Meu coração”
Esses versos, simples e profundos, remanescentes de nossa melhor tradição, contrastam brutalmente com as letras de boa parte do funk carioca contemporâneo, transformado em apologia do sexo explícito, das drogas, do crime e do culto ao proibido. Dentre os bailes funk, são comuns versos como:
Letra de Funk (funk proibidão, exemplo contemporâneo)
“Hoje eu vou no baile, vou arrastar umas novinhas
Enche o copo de whisky, fuma um, cheira uma linha
Só as envolvidonas descem, rebolam na pistinha
Aqui é só bandido, só mulher e putaria.”
A análise revela o contraste entre a busca pelo belo e o mergulho na vulgaridade, entre o profundo e o superficial, entre o verdadeiro e o fabricado, entre a música como elevação espiritual e a canção como arma de abjeção.
“O Mundo é um Moinho” de Cartola
“Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Presta atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor, tu herdarás só o cinismo
Quando notares, estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés”
Ao comparar a profundidade lírica de Cartola, repleta de advertência paterna, delicadeza poética e reflexão existencial, com a brutalidade das letras de funk proibidão, revela-se o salto abissal de uma cultura que cultua o baixo, o efêmero e o destrutivo.
Funk carioca contemporâneo:
“Sentadão na favela, whisky e maconha
Ninguém é de ninguém, só se vive uma vez
Dinheiro fácil, pistola na cintura
É só maldade, ninguém sente o peso da lei.”
A decadência é evidenciada pelo abandono do repertório simbólico elevado em favor de ritmos e letras que promovem ilegalidade, drogas e promiscuidade, distanciando-se radicalmente dos valores tradicionais de beleza e transcendência. Enquanto Cartola orientava a juventude sobre os perigos do mundo, o funk contemporâneo frequentemente exalta justamente aquilo que antes era advertido como abismo existencial.
O resultado desse ciclo é sentir, na própria alma nacional, um ambiente fértil para o domínio totalitário e para o avanço de projetos antinacionais e comunistas. O povo que perde a cultura, perde também a resistência à dominação, torna-se ignaro, vulnerável e facilmente manipulado. Nada mais conveniente aos agentes do caos do que sociedades onde predomina o culto ao mal, à perversão sexual, à idolatria das drogas e das armas ilegais.
E assim, repetindo os alertas de Santos, assiste-se à preparação sórdida para a destruição da nação, à ruína dos valores que sustentam a civilização e ao domínio das forças do totalitarismo. Para que o Brasil recupere sua dignidade e seu destino histórico, é necessário reencontrar o bom, o belo e o verdadeiro, restaurar os valores cristãos e reverter o ciclo da decadência.
Roga-se a Deus para que esses planos malignos fracassem e que nossa cultura volte a ocupar seu lugar de honra.
Referências
SANTOS, Mário Ferreira dos. Invasão Vertical dos Bárbaros. São Paulo: É Realizações, 2012.
PIXINGUINHA; João de Barro. Carinhoso. Música. 1917/1937.
CARTOLA. O mundo é um moinho. Música. 1976.
Os exemplos de funk carioca não têm autoria definida devido à informalidade e ausência de registro oficial. Os exemplos foram transcrições extraídas de repertório popular e playlists de bailes funk carioca contemporâneo, acesso em outubro 2025.








