Carlos Henrique Araújo – Mestre em Sociologia e Curador da Academia da Direita.
Para comunistas e socialistas, a consciência individual, que evidentemente é fonte de criatividade e inovação, não passa de algo a ser instrumentalizado politicamente. Uma mera peça de uma engrenagem, que são, em última instância, as condições de produção material. Indivíduos não seriam pessoas conscientes independentemente da realidade da produção; não teriam livre-arbítrio e não pensariam fora de uma tal consciência de classe.
Digamos que os camaradas entendem os indivíduos como meros reflexos da matéria e nada mais: “A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção”, escreveram Marx e Engels (entre 1845 e 1846), no livro A Ideologia Alemã. Ainda, em uma inversão astuta, os autores revolucionários preferidos dos totalitários disseram: “Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência”.
É por demais interessante constatar que a concepção relativista de mundo, onde só há verdades e indivíduos sempre submetidos ao tempo, ao espaço e pelo que produzem e como produzem, pode ser desbancada quando aplicada ao próprio marxismo.
Eis o paradoxo: em tese, o marxismo deveria ser fruto da ação do proletariado, pois teria que ser pensado por proletários, pela consciência de classe. Ou seja, daqueles que labutavam no chão da fábrica. Suas ideias seriam tão somente produtos da materialidade, da vida, de uma “verdade relativa”, portanto, seriam determinadas de fora da consciência, da inteligência e seguindo posições radicadas na estrutura econômica. Entretanto, de forma desmoralizadora, Marx não era proletário e Engels era filho de industriais. Eles foram os primeiros comunistas de iPhone: pregavam as regras, mas não as viviam. Hoje, há toneladas de pessoas desse tipo.
É fácil constatar a irrelevância dos indivíduos para o comunismo. São meros instrumentos sociais, que sequer possuem consciências desatreladas da tal realidade material. Portanto, são facilmente manipulados em “engenharias sociais” e eliminados quando a política assim determinar. Em estimativas conservadoras, o comunismo e o socialismo, nos séculos XX e XXI, mataram mais de 150 milhões de seres humanos.
O desprezo pelas tradições é ainda mais enraizado no agir e no pensar dos ditadores, totalitários e facínoras. Marx e Engels, os pensadores, acusaram a burguesia de destruir a sociedade, algo que eles, os comunistas, pregam com fervor. Declararam explicitamente, no Manifesto Comunista (1848), que “A burguesia despejou de sua auréola todas as atividades até então consideradas dignas de veneração e respeito (…). A burguesia rasgou o véu de comovente sentimentalismo que envolvia as relações familiares e as reduziu a meras relações monetárias”, o que é evidentemente falso. São os comunistas que pregavam e ainda pregam contra a tradição. Querem demolir o passado e construir um novo homem, uma nova humanidade. Os ataques à tradição foram e são feitos por meio de falácias, de acusações vazias e de outros truques. Mas, por vezes, são absolutamente claros, no mesmo manifesto: “Os proletários nada têm de seu para salvaguardar; têm para destruir toda a segurança privada e todas as garantias privadas até aqui existentes. ” Ou “A revolução comunista é a ruptura mais radical com as relações tradicionais de propriedade; não é de espantar que no curso de seu desenvolvimento ela rompa da maneira mais radical com as ideias tradicionais”.
Alguns podem argumentar que a visão de Marx e Engels é antiga, ultrapassada e inerte em nossa realidade. Ledo engano, infelizmente! Vertentes do marxismo ainda são poderosas no mundo acadêmico, político, jurídico, em várias nações, algumas de forma total e outras de forma apenas parcial. Claro que o desprezo pela tradição não foi inventado por Marx e Engels, mas eles deram a esse menosprezo ideológico uma aparência de ciência.
O reducionismo materialista é o mesmo encontrado em autores da Escola de Frankfurt, uma corrente marxista muito influente nos EUA e, em menor escala, no Brasil. A escola referida comete os mesmos erros, as mesmas falácias e manipulações científicas grosseiras. Horkheimer, um membro ilustre da corrente, concebeu uma verdadeira e desconcertante idolatria pela matéria. Há um estonteante desapreço pelos indivíduos (1937): “Na verdade, a vida da sociedade é um resultado da totalidade do trabalho nos diferentes ramos de profissão, e mesmo que a divisão do trabalho funcione mal sob o modo de produção capitalista, os seus ramos, e dentre eles a ciência, não podem ser vistos como autônomos e independentes (…) A aparente autonomia nos processos de trabalho, cujo decorrer se pensa provir de uma essência interior ao seu objeto, é correspondente à ilusão de liberdade dos sujeitos econômicos na sociedade burguesa.”
Aqui, novamente, a arma argumentativa falaciosa pode ser apontada, fatalmente, para o próprio Horkheimer: segundo suas teses, o pensamento é refém da ilusão de liberdade, portanto, é mera expressão da posição de classe na estrutura de produção. Não há nada universal. É o império da história. Seguindo esses passos, pode-se dizer que o próprio conhecimento de Horkheimer está afogado na realidade de sua classe social, que, obviamente, não é a de um proletário, é sim a de um burguês. Mais claro impossível, o comunismo foi e é produto intelectual de “burgueses”.
Segundo o marxismo, nenhuma visão pode transcender as condições de produção, a não ser como alienação. Qualquer visão de mundo estaria submetida à estrutura de produção. Se todo conhecimento se equivale e não transcende a realidade, todos são válidos ou todos são inválidos. As teorias marxistas, em todas as suas vertentes, se baseiam nesse relativismo improdutivo e desconcertante. Novamente, para eles não há universais.
Roger Scruton, em seu livro Pensadores da Nova Esquerda, de 1985, aponta a volta de autores com premissas comunistas, as mesmas que Marx e Engels destilavam de forma confusa, apesar de muito eficiente. “Todos contribuíram, nos anos 1960 e 1970, para a formação de um consenso de oposição. Sob a influência desse consenso, deixou de ser respeitável defender os costumes, as instituições e a política dos Estados ocidentais, e muitos intelectuais voltaram a aceitar a teoria e a prática comunista (…) O novo intelectual advoga sua própria emancipação de todo sistema, toda ‘estrutura’, toda restrição”. Nos termos de Thomas Sowell: são os intelectuais “ungidos”.
Podemos arrolar inúmeros outros autores marxistas que negam a autonomia dos indivíduos e combatem as tradições não revolucionárias. Essa turma decretou “verdades” que envenenam as sociedades. Operam até hoje sob as mesmas concepções errôneas e malignas das obras de Marx e Engels. É precioso citar alguns exemplos de produtos dessas concepções filosóficas dos comunistas na realidade nacional:
- Relativização do direito à propriedade privada;
- Enfraquecimento da família tradicional;
- Ataques e perseguição dos cristãos e outros religiosos;
- Bandidolatria: o bandido seria uma vítima da sociedade;
- Desrespeito pelas leis econômicas;
- Educação sob controle do Estado e de seus donos;
- Campos de reeducação;
- Censura;
- Supressão da liberdade em função de engenharias sociais;
- Menosprezo pelos valores e princípios tradicionais; e
- Diminuição do que é humano e aumento da valorização do não humano (ambientalismo e eugenia).
A presença do marxismo na atualidade é inegável. Alguns nutriram esperança de que essa ideologia tivesse morrido com a queda do Muro de Berlim. Nada mais enganoso. Os vários marxismos, renovados somente de forma aparente, continuam a atuar com desprezo ao indivíduo e ódio à tradição, sempre renovado por falácias, mentiras, a força da má tradição e de seus dogmas. Considera-se o marxismo como uma seita laica, que tanto fez e faz mal ao mundo.